terça-feira, 2 de agosto de 2011

Educação na dança x saúde do bailarino


Olá queridos alunos e leitores do blog!

Neste mês de julho apresentei um trabalho que compõe a minha nota num dos módulos do Certificate in Ballet Teaching Studies, especialização da Royal Academy of Dance/Faculty of Education/University of Surrey a qual estou cursando. Achei que o texto ficou adequado para a leitura de vocês poi não é tão pesado como os papers de Engenharia Biomédica que eu escrevia (rsrsrs...) e tem boas informações para quem quer dançar sem se machucar e futuramente ensinar outras pessoas a dançar sem machucá-las...
Dêem uma lida e me falem depois o que acharam...
Aguardo seus comentários...
Beijos, Profª Dani



Royal Academy of Dance - University of Surrey

CBTS - Module 103 The healthy dancer

Danielle Bittencourt


Quando o ser humano adotou a postura bípede ereta, inevitavelmente foi desafiado a manter o equilíbrio corporal sobre a pequena base de suporte delimitada pelos pés e constantemente desafiada pela força da gravidade.
De acordo com Duarte (2000), a principal tarefa do sistema neuromuscular no controle da postura é a manutenção da projeção horizontal do centro de gravidade do indivíduo dentro da base de suporte determinada pela área de apoio dos pés durante a postura ereta.

Quando apoiado igualmente sobre os dois pés toda a carga do corpo recai sobre os mesmos, sendo que nesta situação as regiões nas quais o peso corporal é distribuído são a do retropé e antepé que de acordo com Brino (2003) correspondem a aplicação de 57% e 43% do peso corpóreo respectivamente.
Porém, ao rotacionar externamente os fêmures na bacia como pede a postura do ballet clássico, todo o equilíbrio muda na projeção do centro de massa na base de apoio dos pés (RAD, 2009).

A bacia deve ser estabilizada em posição neutra sem forçar anteversão nem retroversão, facilitando a rotação externa dos fêmures nos acetábulos. Tal estabilização deverá ser realizada pela ação de músculos posturais como os profundos do abdomem (oblíquo externo, oblíquo interno, transverso do abdomem, reto abdominal e piramidal), pelvitrocanterianos (piriforme, obturador interno, obturador externo, gêmeo superior, gêmeo inferior e quadrado da coxa), assoalho pélvico e eretores da espinha, todos em ação de sustentação do peso da parte superior do corpo; na coxa e perna, fêmures, patela, tíbias e fíbulas corretamente alinhadas (sem torções no joelho geradas por turn out demasiado da perna em detrimento à coxa) e nos pés arcos longitudinal e transversal devem ser controlados ativamente por meio da contração da musculatura intrínseca dos pés. (CALAIS-GERMAIN, 1992).

Existem restrições de turn out relacionadas ao treinamento de suporte e em dança e relacionadas à natureza do corpo do bailarino. Quanto às primeiras podemos dizer sobre o trabalho dos músculos rotatores laterais profundos, que dão sustentação à pelve em relação aos trocânteres e realizam a rotação externa dos fêmures nos acetábulos da pelve, sendo auxiliados pelos músculos glúteo médio (quando há abdução combinada à rotação externa), glúteo máximo e sartório (quando com flexão do quadril e joelho combinadas à rotação externa) (PALMER, 2000).

Apesar de todas as ações musculares acima descritas, a amplitude da rotação externa do fêmur que determina o turn out do ballet clássico não depende unicamente da consciência e fortalecimento destes músculos. Características antropomórficas (a tal da “natureza” do corpo do bailarino) como o ângulo de inserção da cabeça do fêmur no acetábulo e a rigidez ou frouxidão do ligamento pubofemoral e cápsula articular que envolve a articulação ilíaco-femoral determinam quão ampla será a rotação externa (e interna) do bailarino (CALAIS-GERMAIN, 1992).

Infelizmente na dança, muitas das lesões ocorrem por erros na técnica de ensino/ treinamento. O erro mais freqüente é o turn out forçado do pé:

“[...] às custas dos joelhos, quadris e costas, provoca um padrão previsível de lesões, inclusive tendinite do flexor do quadril, irritação das facetas articulares, fraturas de estresse das porções interarticulares, inflamação crônica do ligamento colateral medial e síndrome de estresse tibial medial.” (SCHAFLE, 1996 apud GUIMARÃES e SIMAS, 2001 p.91)


Outro erro comum observado nos estúdios de dança é o uso dos dedos em garra para forçar um equilíbrio em rotação externa a partir dos pés para uma perna ineficiente na rotação externa. Além dos inevitáveis desequilíbrios, as lesões causam:

“[...] rotação para dentro ou pronação, acarretando rotação interna e eversão do primeiro raio, preparando o cenário biomecânico para a formação do joanete. A apreensão com os pés, a pronação e a rotação externa insuficiente ao nível dos quadris combinam-se para impor um entorse externo sobre a tíbia. Isso pode causar dor no compartimento medial do joelho, por estiramento do ligamento colateral medial e resultar em problemas de disfunção patelofemoral, tendinite patelar e condromalacia da patela.” (SOLOMON, 1991 apud GUIMARÃES e SIMAS, 2001 p.94)



Seria adequada a conscientização sobre a articulação ilíaco-femoral desde a infância, sua consciência corporal, visando não lesionar-se futuramente, buscando uma performance adequada sobre seus pés e sobre o trabalho consciente envolvendo o posicionamento e fortalecimento dos mesmos.

Ao dançar realizamos inúmeros movimentos com os pés. Porém , no ballet clássico, o movimento mais comum é o subir e descer das pontas. Como os movimentos são muitos e variados, comentarei aqui a respeito do subir em pontas.
O subir na ponta vem da combinação da contração dos músculos da panturilha (gastrocnêmios e sóleo), da estabilização para não tombar externamente vinda da contração dos músculos fibulares longo e curto (que são músculos que ficam no compartimento lateral responsáveis pela realização da eversão do tornozelo) e da ação combinada dos músculos flexor longo do hálux, o flexor longo dos dedos e o tibial posterior que contribuem para a flexão plantar do tornozelo porém com ação principal de flexão do hálux e dos e dos quatro dedos laterais, respectivamente (CALAIS-GERMAIN, 1992).


Já os músculos intrínsecos do pé existem em 4 camadas que agem na flexão plantar e na manutenção dos arcos: a 1ª delas na região plantar inclui o abdutor do hálux, o flexor curto dos dedos e o abdutor do dedo mínimo que, além de contribuírem para o movimento dos dedos, atuam como sinergistas na estabilidade dos arcos nos pés. A segunda camada inclui o flexor acessório e os lumbricais. A terceira camada é constituída pelo flexor do dedo mínimo. A quarta camada inclui os músculos interósseos dorsal e plantar (HAMILL e KNUTZEN, 1999).

É recomendável que as alunas não realizem grandes esforços em ponta enquanto têm de 8 a 12 anos, dedicando seu tempo a aprender os posicionamentos corretos e a consciência da postura do corpo e da movimentação do pé e ganhar força de modo a não prejudicarem suas cartilagens e ossos em crescimento. (GUIMARÃES e SIMAS, 2001 apud SIMÕES e ANJOS, 2010 p. 121).

O trabalho de pontas deve ser feito em aulas especiais e específicas a este fim pois demanda tempo, paciência e consciência.
Tornar o bailarino consciente de seu aparelho locomotor desde a mais tenra idade é precioso método para o aprimoramento técnico e conseqüentemente artístico e, mais importante, evita lesões que venham a abreviar sua carreira.

Saber como utilizar seu corpo, instrumento de sua arte é fundamental para sua carreira. A formação adequada do professor de dança é determinante no sucesso (e saúde) dos estudantes de dança e vai muito além da formação técnica de bailarino e da experiência de palco. Os cursos de Licenciatura e Bacharelado em Dança deveriam ser apenas a base para carreira longa e delicada do professor de dança. Mas esta ainda é uma realidade longe de ser atingida em nosso país. Infelizmente.




Os bailarinos devem ser ensinados conhecer sua morfologia e a sentir seus corpos. Compreender que o alinhamento postural é fundamental à biomecânica que seu corpo apresentará na prática, que as leis da física atuam sobre seu corpo, que seus ossos se encaixam de determinada forma e são movidos por músculos de determinada maneira e que tudo está sob seu fino controle via sistema nervoso sendo muito delicado e demandando anos de prática para o domínio dos movimentos que devem ser feitos sob segurança e de acordo com a fase de vida que está passando, suas características antropomórficas, seus objetivos ante a realidade.
 “Todas as tarefas motoras humanas envolvidas no conhecimento espacial têm sua base no controle da postura corporal contra a gravidade: ao manter-se em pé, andar, abaixar-se, alcançar objetos, o homem desenvolve, aprende e aprimora uma infinita gama de combinações de movimentos os quais necessitam de controle e modulação do sistema nervoso sobre todo o aparelho motor.” (BITTENCOURT, 2009, p.18)


O aluno deve ter consciência da sustentação da coluna pela musculatura postural, alongando-a na postura correta e que a liberação do peso da pelve torna mais fácil o turn out pois libera articulação ilíaco-femoral descoaptando-a e permitindo desta forma maior movimentação, dentro claro dos limites individuais pré-estabelecidos. Como diz Ivaldo Bertazzo:
“[...] a ausência de mecanismos adequados de extensão (e rotação externa) da articulação coxofemoral pode levar a uma atitude de flexão e rotação interna, que dá a impressão de estarmos sentados, mesmo estando em pé” (BERTAZZO, 2010 p.203)


Seria adequada a conscientização da articulação ilíaco-femoral desde a infância, com atividades de turn in e turn out do fêmur, inclinações pélvicas laterais, anterversões e retroversões da pelve, visualização do esqueleto humano, atividades de desenho dos conjuntos articulares, para que a criança crie consciência corporal e possa desenvolver de modo adequado seu turn out sem lesionar-se futuramente, buscando uma performance adequada e equilibrada.
O trabalho articulado dos pés são conseqüência de um alinhamento correto pelve-fêmur-perna-pé. Os pés de bailarino são bem trabalhados quando o aluno ainda criança compreende a distribuição do peso nas regiões dos pés, nas diferentes situações (pied à plat, pied sur la demi pointe, pied sur la pointe) inicialmente na barra e depois no centro da sala.

O professor de dança deve compreender que não são todos os físicos que atingirão um turn out completo, uma 5th position perfeita ou a amplitude máxima do developpé a la seconde... E que existem corpos diferentes uns dos outros e que todos podem dançar mas cada um a sua maneira, sempre, logicamente, com a melhor orientação e técnica possível, mas dentro dos limites da saúde do indivíduo.


REFERÊNCIAS



BERTAZZO, Ivaldo. Corpo vivo: reeducação do movimento. São Paulo: Edições Sesc, 2010


BITTENCOURT, Danielle. Quantificação de variáveis eletromiográficas na extensão do tronco e quadril em diferentes condições visuais. Dissertação de Mestrado em Engenharia Biomédica - Área de concentração: Processamento de sinais e imagens médicas. Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 2009

BRINO, C.S. Influência de diferentes calçados sobre os percentuais da força peso aplicados na base de sustentação e a postura corporal em pé. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

CALAIS-GERMAIN, Blandine. Anatomia para o movimento. Vol I. São Paulo: Manole, 1992

DUARTE, M. Análise Estabilográfica da Postura Ereta Humana Quasi-Estática. São Paulo: USP, 2000. Dissertação (Docência na área de Biomecânica), Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, 2000.

GUIMARÃES, Adriana Coutinho de Azevedo; SIMAS, Joseani Paulini Neves. Lesões no ballet clássico. Revista da Educação Física. UEM Maringá, v. 12, n. 2, p. 89-96, 2º semestre, 2001

HAMILL, J.; KNUTZEN, K. M. Bases biomecânicas do movimento humano. 1ª edição. São Paulo: Manole, 1999.

PALMER, L.M.; EPLER, M.E.. Fundamentos das Técnicas de Avaliação Musculoesquelética. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.


ROYAL ACADEMY OF DANCE. Certificate in Ballet Teaching Studies. Module 103. O Bailarino Saudável – Module Study Guide. United Kingdom: Royal Academy of Dance/ Dance Books, 2009

SCHAFLE, M. D. Segredos em medicina desportiva: respostas necessárias ao dia-a-dia em centros de treinamento, na clínica em exames orais e escritos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996

SIMÕES, Renata Duarte; ANJOS, Aweliton Fernando Peres dos. O ballet clássico e as implicações anatômicas e Biomecânicas de sua prática para os pés e tornozelos. Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 8, n. 2, p. 117-132, maio/ago. 2010

SOLOMON, R. Foot morphology and injury patterns in ballet and modern dancers: some thoughts on doing research. Kinesioly and medicine for dance, USA, v. 14, n. 1, p. 12-24, 1991.